Se há algo que me incomoda muito são as críticas do senso comum e de diversos comentaristas da mídia empresarial, quando comparam crimes cometidos por bandidos e crimes cometidos por policiais.

Ora, da bandidagem não se pode esperar outra atitude que não a ignorância, a violência, a brutalidade e até a barbárie. Afinal, bandido é bandido e sabe os riscos que corre quando se lança na marginalidade.

Coisa totalmente diferente é a ação policial. Ao contrário da bandidagem, cabe ao policial zelar pela segurança da comunidade, sempre com base na lei. O papel do policial, portanto, é fazer cumprir a lei, jamais se colocar acima da lei para fazer o que acredita ser correto, sob a justificativa de livrar a sociedade do mal.

Quando assume a vida de agente da lei o policial sabe que passa a correr riscos, inclusive de morte. O assassinato de um agente da lei é um fato gravíssimo, porque demonstra que os transgressores da lei deixaram de respeitar a polícia. Por que? Porque a própria polícia deixou de respeitar a lei, ao se transformar numa força de justiçamento, em milícia que age como se estivesse acima da legislação.

Boa ou ruim, a lei é uma espécie de acordo, de parâmetro do que se pode ou não se pode fazer na vida pública. Ela tem que servir de regra para todos, ainda que haja sempre os que colocam interesses particulares acima do interesse comum.

Mesmo assim, não se pode comparar o assassinato de um policial por bandidos que agem à margem da lei, com uma execução cometida por um policial, que é um agente da lei. As cenas da atuação de policiais de S. Paulo e do Rio, assassinando pessoas e forjando troca de tiros com suas vítimas, são a expressão da falência da política de segurança pública no Brasil.

Essa política está baseada na força e no justiçamento, cabendo aos policiais militares a decisão de apertar o gatilho, seja para se defender seja para assassinar pessoas. Neste ponto pouco importa se o morto era ou não bandido, traficante ou inocente.

Trata-se de um fio de continuidade da política do velho coronelismo no Brasil, com sua jagunçada. O grau de letalidade das ações das PM no Brasil atingiu índices alarmantes e insuportáveis, sobretudo contra a população pobre das favelas e periferias.

Ao contrário da violência, da impunidade e da mortandade absurda gerada por essa política assassina, as experiências internacionais mais bem sucedidas na área de segurança pública comprovam que tudo começa por uma política de inteligência. Esta política prevê a infiltração, o mapeamento, a detenção das principais cabeças, o uso de modernas tecnologias para o desbaratamento de quadrilhas. É o que tem feito em muitos casos a nossa Polícia Federal para combater crimes de grande monta.

Portanto, trata-se de uma opção política: reorganizar todo o aparato policial, contratando gente com formação superior, acabando com a PM e formando uma só polícia civil, baseada em inteligência, boa formação e bons salários. O resto é perpetuar a velha política genocida da jagunçada de farda

Apesar da idade e da voz mansa, o cardeal Bergoglio tem muita empatia e coragem. Foi assim em sua visita a Cuba e agora aos EUA. Seu pronunciamento no Congresso norte-americano, dominado por raposas velhas da política e por representantes dos lobbies empresariais da nação mais rica do Ocidente, foi marcado por posições progressistas.

Suas palavras são de dar inveja em Fidel, Che e aos poucos revolucionários que conseguiram discursar nos EUA e na Sede da ONU. Além de citar como exemplo Martin Luther King, líder negro estadonidense, o Papa Francisco condenou o fundamentalismo religioso de toda espécie, pediu o fim da comercialização de armas, que derrama sangue de inocentes pelo mundo, se disse contra a pena de morte e defendeu o acolhimento dos refugiados de guerras.

Na saída do Congresso, Francisco agradeceu ao convite para almoçar com parlamentares e preferiu comer com os sem-teto, que estavam acampados por perto. Na ONU o Papa reiterou sua preocupação com o meio ambiente e as consequências que a agressão à Natureza traz para os povos, sobretudo os mais pobres.

Não se pode esperar de um Papa, representante supremo do Estado do Vaticano e da maior religião professada no Ocidente, uma atitude combativa ou revolucionária. No entanto, com a sua simplicidade e leveza Francisco não tem fugido dos temas atuais e profere sempre opiniões progressistas com muita firmeza, contrariando inclusive boa parte dos fiéis conservadores.

As palavras de Francisco criam visível constrangimento aos comentaristas das cadeias de TV e articulistas dos jornais. Aliás, a mídia impressa deu pouco destaque às palavras do Papa nos EUA, apesar da TV ter dado boa cobertura.

Confesso que estou surpreso com o Papa Francisco e que me precipitei ao julgá-lo, logo após sua investidura. Ainda bem, é sempre bom comemorar um erro de análise. Francisco está saindo muito melhor que a encomenda.

BBC Brasil – Qual a motivação dos protestos?

Guilherme Boulos – As mobilizações desta quarta ocorrem pela opção do governo em cortar mais investimentos sociais, particularmente em moradia, como forma de responder à crise.

O orçamento do Minha Casa, Minha Vida enviado para o Congresso, de R$ 15,6 bilhões em 2016, já seria muito insuficiente. Os novos cortes (anunciados em R$ 4,8 bilhões) comprometem ainda mais. Já dissemos e repetimos: não aceitamos pagar a conta da crise. Há outras saídas possíveis.

BBC Brasil – Os protestos são contra o governo? Por quê?

Boulos – São contra a política de austeridade e cortes, que está sendo implementada pelo governo Dilma e também pelos governos estaduais.

O MTST não aceita essa política, independentemente de quem esteja aplicando – seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco.

BBC Brasil – Em meio à instabilidade política e às tentativas de impeachment contra a presidente, o movimento não teme enfraquecer mais o governo com os protestos?

Boulos – Veja, achamos que o que enfraquece este governo é sua definição de aplicar um programa oposto em relação ao que foi eleito pela maioria.

O que enfraquece este governo é, a cada grito da banca (mercado financeiro), da mídia ou do PMDB, anunciar novas medidas de austeridade. Fica refém e perde base de apoio na sociedade. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável.

BBC Brasil – O governo parece cada vez mais fraco. Os processos contra a presidente têm avançado no TCU e no TSE. O movimento está preocupado com uma possível queda da presidente?

Boulos – O MTST repudia qualquer saída à direita para a crise política. Acreditar que (o vice-presidente Michel) Temer representaria algum avanço para os interesses populares é de uma cegueira impressionante. Surfar na onda do impeachment achando que os trabalhadores podem ganhar com isso é tolice ou oportunismo.

Não caímos nessa e vemos que a tentativa do PSDB e de setores amplos do PMDB, articulados com figuras como (o ministro do STF) Gilmar Mendes no Judiciário, querem derrubar Dilma para implantar algo ainda mais agressivo à maioria popular.

Mas, ao mesmo tempo, isso não vai nos deixar imobilizados ante os ataques que têm vindo do governo. O governo tem tomado a opção de repactuar com o PMDB e setores da direita a qualquer custo. Essa opção tem um preço.

BBC Brasil – Como o movimento vai reagir no caso de um impeachment?

Boulos – O MTST está e estará mobilizado contra os ataques aos direitos sociais e também contra qualquer saída mais à direita para a crise.

BBC Brasil – A terceira fase do Minha Casa, Minha Vida aumentou o valor das prestações para as famílias mais pobres. Além disso, as concessões para faixa 1, destinadas aos mais pobres, estão paralisadas. Qual a avaliação do movimento sobre o MCMV 3?

Boulos – O anúncio do Minha Casa, Minha Vida 3 no dia 10 pela presidenta incorporou pautas importantes do MTST e dos movimentos de luta por moradia, como maior prioridade ao Entidades (modalidade em que as moradias subsidiadas no programas são erguidas pelos movimentos sociais, e não por construtoras), aumento do limite da faixa 1 (teto da renda familiar nesta faixa subiu de R$ 1.600 para R$ 1.800), recurso para equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), entre outros pontos.

Houve essa redução do subsídio, que de fato prejudica a capacidade de pagamento das famílias que ganham entre R$ 800 e R$ 1.800 (ao elevar as prestações). Mas, além disso, o que é pior é que criou-se uma situação de “ganhar e não levar”. Não adianta melhorar pontos no programa e não dar orçamento, não ter meta de contratação. Esse é o principal problema e é por isso que estaremos nas ruas nesta quarta.

BBC Brasil – Como foi a reunião com a presidente para discutir o programa na semana passada?

Boulos – A reunião em si, como disse, atendeu pautas dos movimentos. Mas quatro dias depois lá estava o governo em cadeia nacional anunciando novos cortes. Aí não dá!

BBC Brasil – Já que o movimento se opõe aos cortes de gastos, quais medidas o MTST defende para resolver o problema do Orçamento?

Boulos – O movimento defende que quem pague a conta da crise seja o andar de cima, não o andar de baixo. Você não tem imposto sobre grandes fortunas, você não tem imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.

Um recurso inacreditável da União é destinado a juros e amortizações da dívida pública (mais de 40% do Orçamento). A Constituição de 88 prevê uma auditoria da dívida pública que nunca foi feita nesses quase 30 anos. O movimento defende esse tipo de medida para equacionar o preço da crise.

BBC Brasil – O movimento não entende que a carga tributária no Brasil já é alta, como dizem muitas pessoas?

Boulos – Alta para quem, né? Mais de 50% da carga incide sobre consumo. Imposto sobre a renda é 20% no total, imposto sobre propriedade é 4%. Então, a carga é ridícula em relação a quem de fato pode pagar.

Você pode inclusive reduzir imposto sobre consumo e aumentar a taxação sobre capital financeiro, especulativo e sobre propriedade, sobre imóveis, tanto rurais quanto urbanos.

A carga do Brasil é alta para os mais pobres e até para os setores médios. Quem ganha até dois salários mínimos deixa 54% de seus gastos em impostos. Já quem ganha mais de 30 salários deixa 29%.

Ou seja, o grande problema é a má distribuição. O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública.

BBC Brasil – Qual balanço faz do Minha Casa, Minha Vida?

Boulos – O programa Minha Casa, Minha Vida é importante na medida em que o Brasil ficou 20 anos, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986), sem programa habitacional. Mas é um programa cheio de contradições. Ele precisa ser alterado, precisa ser modificado.

A questão do papel das empreiteiras em produzir habitação de baixa qualidade e tamanho ruim precisa ser revisto. Quem ganha mais hoje com o programa são as empreiteiras.

Agora, mais do que isso, precisamos de uma política urbana de combate à especulação imobiliária. Combater essa lógica de cidade que na prática é uma máquina de criar novos sem-teto.

Você constrói novas habitações pelo Minha Casa, Minha Vida, mas tem novos despejos a cada dia, especulação imobiliária crescendo, as pessoas sendo expulsas das regiões por conta do valor proibitivo do aluguel e da especulação imobiliária.

BBC Brasil – A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada uma Medida Provisória que permite que unidades do Minha Casa, Minha Vida sejam disponibilizadas para profissionais envolvidos na Olimpíada antes da entrega para os usuários. Agora, segue para votação no Senado. O movimento vê algum problema?

Boulos – Achamos que deveriam utilizar os imóveis novos de alto padrão na Barra da Tijuca para isso…

Dias depois de uma decisão judicial proibir a detenção por presunção, praticada faz tempo pela PM do Rio contra jovens pobres que se dirigem às praias da Zona Sul, a mídia volta à ofensiva retratando uma onda de “arrastões” em Copacabana e Ipanema.

O secretário de segurança alega que o policial está sendo constrangido a não agir ou reagir, tentando jogar a responsabilidade pela passividade de seus comandados nas costas da Justiça e do MP. O MP e a Justiça esclarecem que a decisão não impede nenhum policial de cumprir o seu dever, desde que a apreensão de menores seja feita em flagrante delito.

Como resposta ao clima de terror, amplificado por um noticiário tendencioso, um grupo de jovens de classe média da Zona Sul montou emboscadas e atacou um ônibus de passageiros que saía de Copacabana no final da tarde de domingo. Foram elogiados por outros em redes sociais, tratados como “justiceiros”, já que “a polícia não faz nada”.

O que isso tudo revela? Um complexo emaranhado de problemas que não foram estudados e resolvidos pela sociedade brasileira. Vamos a eles:

  • A Polícia Militar continua a ser encarada como força de repressão aos mais pobres, na defesa do “cidadão de bem”, representado pelos brancos da Zona Sul do Rio;
  • Em vez de cumprir a lei, as autoridades de segurança reclamam das “restrições” impostas pela Justiça, que determina que o policial é apenas e tão somente um agente da lei e deve atuar no estrito cumprimento de seu dever;
  • Uma juventude negra e pobre, largada ao Deus dará, sem eira nem beira, sem laços de família e sem educação escolar, que convive com a violência familiar e policial, além de facções criminosas, cuja diversão nos finais de semana de calor insuportável do Rio é procurar a praia como forma de lazer;
  • Uma juventude branca, de classe média alta, sem valores democráticos, frequentadora de academias de ginástica, com pais omissos e permissivos, ignorante e que se dispõe a encarar problemas sociais unicamente na base da porrada;
  • Uma sociedade que assiste a tudo isso atônita, envenenada por meios de comunicação que generalizam alguns fatos, como se fossem a totalidade, instaurando o pânico, sem abrir o debate democrático sobre causas e consequências dos acontecimentos.

Está se abrindo cada vez mais um clarão entre as classes sociais no Brasil. A deterioração proposital e posterior privatização de serviços públicos essenciais (educação, saúde, transportes, etc), fruto do modelo neoliberal adotado nos últimos vinte anos, contribuiu decisivamente para isso.

Não que antes as diferenças de classes não existissem , ao contrário, elas sempre estiveram presentes de cabo a rabo na sociedade brasileira. Acrescente-se que razões históricas da colonização adicionaram a essas diferenças o massacre dos habitantes originários (indígenas) e a escravização de negros trazidos da África, que jamais foram reparados.

Ocorre que a escola pública, a rede pública de saúde, os sistemas de transportes públicos serviam como formas de convívio e conhecimento mútuo da realidade dos pobres, trabalhadores, da classe média baixa e até da classe média brasileira.

O desmonte destes sistemas, a partir dos governos FHC e depois Lula/Dilma, abriu um fosso no convívio social, apartando de vez a classe média do resto do povo. O que antes era preconceito se tornou intolerância e o que hoje é intolerância vai se transformando cada dia mais em pregação de violência que pode se acirrar ainda mais.

A praia era, até então, o espaço mais democrático que restava aos cariocas e visitantes da cidade. O Maracanã, ainda que com a divisão entre arquibancadas, cadeiras e geral, deixou de ser local de socialização, quando foi transformado em Arena esportiva de uma concessionária privada, voltado para uma minoria.

A escola pública foi abandonada pelos governantes e depois pela classe média, que levou seus filhos para as particulares. Os hospitais públicos estão à míngua e a classe média preferiu pagar plano de saúde. Os transportes públicos sucateados se transformaram em martírio para os que precisam trabalhar e estudar, daí porque a classe média migrou para o carro particular.

Ora, o ambiente privado é aquele que se isola da realidade e dos conflitos da sociedade como um todo. Nele, somos instados permanentemente a atitudes passivas. Para que entrar na fila das bilheterias e enfrentar arquibancadas cheias em estádios se eu posso ver o jogo na TV a cabo, consumindo cerveja gelada com os meus amigos em casa ou numa mesa de bar? Para que me aborrecer no ponto de ônibus, esperando um coletivo lotado, se eu posso usar meu carro com ar refrigerado para ir e voltar do trabalho? Para que bater pernas nas ruas da cidade, debaixo de calor, se eu posso ir ao shopping, mesmo que o estacionamento seja caro? Para que me aborrecer aguardando atendimento num plantão médico de um hospital ou de uma UPA se eu tenho plano de saúde e posso ser atendido numa clínica particular? Para que segurança pública se eu moro num condomínio com segurança particular 24 horas por dia? Para que brigar por uma escola pública de qualidade, em tempo integral, com profissionais bem pagos e equipamentos modernos, se eu posso pagar por uma escola particular para os meus?

Essa cultura do elogio ao privado e da desvalorização do que é público, do lucro acima do social, contaminou o dia a dia da sociedade brasileira. Ela subverteu a possibilidade de convivência entre a grande massa negra, pobre e trabalhadora com a minoria branca, de classe média, que atua nos postos de comando intermediários do país. Mas em uma coisa este sistema perverso e sua ideologia macabra conseguiu unir essas duas pontas: a pregação de valores individualistas, vazios de humanismo.

O menino pobre da favela, que furta celular e tênis, tem a mesma ambição do menino branco, de classe média da Zona Sul do Rio: obter reconhecimento social. Uns para reinar em seu ambiente de extrema pobreza perante aos demais com “espertos”, outros para parecerem tão “descolados” quanto os seus amiguinhos mais ricos. A diferença é que aos delinquentes pobres só é dada a opção de cumprir pena em casas de detenção e, mais tarde, em presídios, enquanto a sociedade trata com tolerância os delinquentes de classe média.

Enquanto isso o Congresso Nacional discute a revisão das limitações ao porte de armas. É nessa toada de mediocridade que seguimos sem saber aonde tudo isso nos levará.

Meses atrás escrevi uma nota para este blog a respeito de uma série de reportagens sobre a Venezuela, que foi ao ar no Jornal da Band, conduzidas por Sandro Barboza. O sujeito conseguiu falar daquele país por dias seguidos, sem ouvir uma vez sequer um representante do governo ou de movimentos independentes. Mas todos os principais líderes oposicionistas foram chamados a opinar.

Novamente agora, no Jornal das dez, da Globonews, o correspondente daquela emissora em Buenos Aires teceu uma série de comentários sobre manifestações promovidas pela oposição venezuelana, em função da detenção de Leopoldo Lopez, condenado por 13 anos por incitar a violência em manifestações que redundaram na morte de mais de 40 pessoas.

Vasta documentação e relatos de testemunhos foram reunidos pela Corte venezuelana, mas nada disso foi sequer citado. Bastaria lembrar que Lopez foi um dos maiores entusiastas da tentativa de golpe contra Hugo Chavez, frustrada por um levante popular. Na ocasião este cidadão, pessoalmente, deu voz de prisão a um ministro e foi às ruas para caçar chavistas. As imagens estão na internet para quem quiser ver. Lopez é um provocador e seus movimentos de direita patrocinados por grupos com claro interesse em derrubar o governo venezuelano.

O senhor Ariel Palácios, que parece desconhecer que milhares de colombianos foragidos do narcotráfico e dos conflitos de seu país foram acolhidos e se integraram normalmente à vida da sociedade venezuelana nos últimos anos, preferiu dar ênfase à expulsão de pessoas que estavam ilegalmente no país. Será que também desconhece as provocações que vem sendo patrocinadas na fronteira da Guiana com a Venezuela?

Estes dois exemplos, fora as matérias publicadas em alguns jornais que atacam frontalmente o governo venezuelano, são partes de uma cadeia de desinformação dos meios de comunicação privados na América Latina, com vistas a desmoralizar o governo venezuelano.

Particularmente já expressei minha opinião: o pior que poderia acontecer seria uma condenação de Lopez, agora alçado à condição de mártir da oposição conservadora na Venezuela.

No entanto, independente das opiniões que se tenha a respeito da revolução bolivariana, de seus líderes e das medidas adotadas por seus governos, o que está em jogo não é quem tem ou não a “razão” sobre o tema. O que salta aos olhos de qualquer pessoa razoável é abordagem claramente tendenciosa do noticiário e até de profissionais com formação acadêmica.

Quando eu era um estudante, entre tantos outros na Escola de Comunicação da UFRJ, me ensinaram que qualquer matéria jornalística tem por princípio ouvir ou retratar as opiniões de todos os lados envolvidos num acontecimento, seja um acidente de trânsito, uma operação policial numa favela ou um conflito político. Se essa regrinha básica do jornalismo deixou de existir, então é melhor apagar os manuais de jornalismo das próprias emissoras em que essas pessoas trabalham.

O que acontece com a TV brasileira? Que ela está oligopolizada pelo controle de uns poucos grupos empresariais não é novidade para ninguém, mas precisava ser tão ruim?

De uns tempos para cá impera o jabaculê, travestido de merchandising, que são aquelas cenas de novelas encomendadas por patrocinadores, quando alguns atores são jogados como vendedores de produtos. É plano de telefonia celular, loja de conveniência, bancos… Até em programas jornalísticos os apresentadores vendem shampoo, medicamentos e outras bugigangas, sem o menor constrangimento.

Mas o pior de tudo é a enxurrada de programas de seleção de cozinheiros. Eles estão em todos os canais e em todos os horários, como quadros em programas diários ou em horário nobre. Alguns chefs de maior expressão se prestam a este papel, participando de corpos de jurados dos colegas menos afamados.  E ainda são instados a dar esporro nos concorrentes.

Sem o menor pudor os programas de culinária também ganharam expressão nas grades das emissoras de TV aberta e fechada. Até atores que não deram muito certo viraram grandes mestres cucas, dando receitas e fazendo pratos que atribuem a si próprios ou às suas tradições familiares.

Por trás disso, é evidente, está a indústria da alimentação. Por este motivo, aliás, não há qualquer preocupação (com raras exceções) de preservar o telespectador de pratos gordurosos e sobremesas calóricas. Uma enorme contradição diante das tantas recomendações de médicos, que volta e meia aparecem em outros programas de TV.

Durante as eleições de 2014 houve muito mais discussão dos candidatos em torno do escândalo da Petrobras do que sobre a situação econômica do país. Até mesmo a Presidente-candidata falava em manter e ampliar os programas sociais e as obras do governo.

Assim que assumiu, no entanto, Dilma levou para a pasta da economia o representante do maior banco privado do país, Joaquim Levy. Ora, um agente do mercado não teria outra proposta que não fosse a de subordinar toda a economia do país aos interesses do sistema financeiro. Foi o que fez Levy de lá para cá.

Tratou de anunciar corte de investimentos da ordem de 70 bilhões, contingenciou verbas para os setores públicos e comandou o aumento das taxas de juros. Sua política só podia provocar uma brutal recessão, porque o principal agente de fomento da economia brasileira sempre foi e é o Estado.

Quando o Estado brasileiro corta investimentos, paralisa obras e aumenta as taxas de juros, provoca uma paralisia na economia. A partir dali todas as previsões e dados divulgados pelo IBGE indicaram o caminho da recessão.

Recessão provoca queda de arrecadação

Ocorre que quando a produção cai, o emprego é afetado, o dinheiro em circulação diminui, o consumo é reduzido e o emprego de quem está na produção também sofre as consequências. No final das contas, essa espiral recessiva afeta a arrecadação de impostos, já que toda a cadeia de produção e consumo é atacada.

O problema é que o governo tem compromissos e o principal deles é o pagamento dos serviços da dívida pública interna e externa aos bancos privados, principais detentores dos títulos destas dívidas. Este compromisso já consome mais de 45% do Orçamento da União e não é sequer questionado pela grande mídia e a chamada “oposição”. Isso porque, a tal oposição conservadora sempre aplaudiu e continua fiel á política econômica do governo.

Agora, para cobrir a necessidade de financiamento de parte dos gastos com os juros e amortizações da dívida pública – o tal superávit primário – o governo anuncia um pacote de medidas.

Mais arrocho para beneficiar os bancos

O pacote do governo prevê uma nova CPMF – no valor de 0,2% de toda operação financeira – que os bancos vão, obviamente, repassar aos correntistas. De acordo com Levy a previsão do governo é que a nova CPMF deverá vigorar por uns quatro anos.

Outra ponta do pacote diz respeito aos cortes com a máquina pública em R$ 26 bilhões, o que também aponta para um aprofundamento da recessão. O abono permanência deve ser suspenso, assim como os concursos públicos previstos (inclusive no IBGE). O reajuste salarial do funcionalismo federal, ainda que abaixo da inflação, só deverá vigorar a partir de agosto do ano que vem.

É evidente que essas medidas sacrificam ainda mais a população por dois motivos: 1) O pagamento de mais um imposto; 2) A piora dos serviços públicos, com a debandada de muitos servidores que têm idade para se aposentar, mas estavam pendurados no abono permanência, e a não realização de concursos.

Outras palavras

Duas medidas são ignoradas solenemente pelo governo, pela “oposição” conservadora e a grande mídia empresarial: a) O Imposto sobre grandes fortunas que, de acordo com cálculos imprecisos, poderiam representar uma arrecadação anual de R$ 100 bilhões; b) Auditoria da dívida pública, para que se saiba de onde veio, quanto é, porque quanto mais pagamos esta dívida mais cresce, quem se beneficia disto.

De acordo com estudo de economistas do Ipea, o cruzamento de dados do pagamento do Imposto de Renda deixou claro que cerca de 72 mil bilionários brasileiros não pagam imposto ou pagam mixarias sobre o que ganham, enquanto a grande massa dos cidadãos brasileiros são taxados pelo consumo ou pelo Leão.

De outro lado, os serviços da dívida pública brasileira continuam consumindo quase a metade do Orçamento do país, beneficiando os bancos e financeiras, principais detentores dos títulos desta dívida, sem que haja qualquer questionamento sobre esta situação.

A ignorância, o elitismo e o preconceito de uma certa classe média alta, concentrada no eixo Rio-São Paulo, mas com ramificações em todas as outras regiões, levam a uma percepção enviesada da realidade e tem consequências graves para o debate político no pais.

Essa gente, de 30 anos para cima, repete insistentemente um discurso de oposição ao PT, Dilma e Lula, tomando como base a idéia de que se trata de um projeto socialista. Costumam citar insistentemente o Fórum de S. Paulo como matriz ideológica da proposta “esquerdizante” para a América Latina e o Brasil. Soma-se a isto a tentativa de imputar ao governo do PT e seus dirigentes toda a corrupção no país.

Ou seja, o PT além de arruinar o Brasil com gastança em projetos assistenciais (bolsa-família, cotas para negros e índios, Minha Casa Minha Vida e outros), ainda é responsável por toda a bandalheira que assola o Congresso Nacional e a Petrobras. Ao governo federal são atribuídos problemas que nem sempre são de sua responsabilidade exclusiva, como a Saúde e a Educação.

O receituário apresentado por esse pessoal varia desde os que pedem o retorno da ditadura militar aos que pregam o Impeachment de Dilma.

Por sua vez, há uma turminha afiada na defesa de tudo que emana do Palácio do Planalto. São blogueiros (financiados ou não), ex-militantes e pessoas que estão penduradas em cargos públicos que difundem de forma aguerrida desde estatísticas, até a defesa de gente que se meteu nas piores enrascadas, como José Dirceu, Palocci, etc. Isso inclui justificativas as mais elásticas para a manutenção da aliança com o PMDB.

Há uma parcela desse pessoal que ainda crê nos princípios socialistas do PT, suas direções e lideranças de maior expressão. Algo que não se sustenta nem na política econômica ou em outros setores, como as políticas de educação, saúde, saneamento, agrária, etc. Em 13 anos os governos petistas não se propuseram sequer a levar adiante as reformas de base, justificativa para o golpe que derrubou João Goulart nos idos da década de 60 do século passado.

A política pode e deve ser feita com a paixão. Sem isso não há projeto político que se sustente, é claro. No entanto, quando a política se resume à paixão ela deixa de ser política e passa a ser somente fé. E a fé, assim como a paixão, pode ser tão bela quanto cega.

Em meio a essa falsa polarização trafega em liberdade toda sorte de oportunistas. Charlatães como Eduardo Cunha, Bolsonaro e Malafaia, pretendem empalmar o descontentamento dessa classe média ignorante. Na esquerda pegam carona a CUT, o MST e agora até a tal de Frente Brasil Popular (que diz unificar movimentos populares), cuja matriz é o PCdoB.

Pior do que a ignorância e a boa fé dos que se digladiam nas redes sociais e volta e meia se estranham nas ruas, é o charlatanismo dos que surfam nesse mar de boçalidade, tratando a luta política como um jogo de futebol. Torcida pode fazer muito barulho, mas não ganha jogo. Por isso, na hora de definir a parada quem decide são os jogadores.

No time das classes dominantes há desentendimentos e desfalques, mas há um consenso: exigem a tática do “ajuste fiscal” e não admitem a saída do professor Levy. Banqueiros, agronegociantes, especuladores, montadoras, empreiteiros, proprietários da grande mídia empresarial, representantes do capital industrial e das grandes redes atacadistas seguem na ofensiva.

Do outro lado a confusão é geral. Depois de esbravejar no início da temporada, a professora Dilma assumiu a tática do time adversário e não quer confronto. Para ela um empate é um bom resultado. Escalou cinco cabeças de área no meio campo, quatro defensores e um atacante franzino. O time só recua, não ataca. O resto de elenco ficou na reserva, não tem oportunidade e quer outra tática de jogo para enfrentar o time das classes dominantes.

É nesse clima que o país prossegue, se arrastando entre a política de austeridade de Dilma, que exige sacrifícios da maioria da população, e a crise política alimentada pelos oportunistas de plantão. As torcidas se manifestam, mas quem está ganhando o jogo é o time das classes dominantes.

Um ente abstrato tem lugar de destaque no noticiário da mídia empresarial brasileira todos os dias. Trata-se do “mercado”, palavra dita, publicada e repetida a cada dois minutos por um jornalista ou um economista, no noticiário de rádios, jornais e TVs, além dos “especialistas”. Esses comentaristas de plantão são, via de regra, ex-ministros, empregados ou executivos de bancos, de financeiras e institutos privados, convidados para analisar a repercussão de fatos junto ao “mercado”.

Atribui-se ao “mercado” um poder inexpugnável, uma força que supera a tudo e a todos, superior à Organização das Nações Unidas, só equiparável à pujança das grandes potências mundiais. O “mercado” é quase que o Olimpo, um espaço extraterreno habitado pelos deuses gregos. Ele está fora do alcance e da compreensão da esmagadora maioria do povo brasileiro, que sé conhece o mercado quando vai às compras.

O “mercado” tem vida própria, reações que podem ser positivas ou negativas, bom e mau humor. O “mercado” ao qual a grande mídia dedica horas de suas programações e até cadernos exclusivos em jornais e revistas, até alguns anos atrás era acompanhado de outra palavra inseparável: financeiro.

Tudo isso reflete a mediocridade em que a mídia empresarial brasileira está mergulhada. Em suas programações e páginas diárias há muito pouco espaço para debater os problemas cotidianos do povo brasileiro. Como consequência os conflitos deste cotidiano são tratados como coisa estranha, resultado de situações que fugiriam à normalidade, mas que são muito mais comuns do que imaginam os chefes de redação nos jornais, rádios e TVs.

Como essa gente transita num espaço que se limita aos espaços frequentados pela classe média alta das grandes cidades, vive apartada da realidade concreta da maioria de nosso povo. Na cabecinha limitada dos dirigentes da grande mídia, nada que envolva o cotidiano pobre e cinzento da esmagadora maioria do povo brasileiro merece ser pautado e debatido a fundo. O cidadão comum, que sofre as consequências da ausência de políticas públicas, no máximo é tratado como figurante de uma novela em que desfilam os grandes astros deste tal “mercado”.

Quando se abrem espaços para debater Educação e Saúde públicas o foco é quase sempre o desperdício e a má gestão estatal. As soluções apresentadas pelos artigos e comentários dos “especialistas” do “mercado” são sempre o corte de gastos e a privatização, tida como solução para gerir todos os males.

Num momento em que o governo Dilma Levy propõe aumentar a arrecadação de impostos, levantando idéias como a recriação da CPMF ou o aumento do Imposto de Renda, com vistas a arcar com os compromissos com o “mercado”, nenhum veículo de comunicação da grande mídia abre espaços para questionar os gastos anuais com a famigerada dívida pública (interna e externa), que já consome quase a metade do orçamento anual da União.

Parece que nenhum jornalista ouviu falar do livro de Thomas Picketty (O Capital no século XXI), economista francês que propõe a taxação das grandes fortunas como uma das vias para solucionar problemas básicos das nações. Será que desconhecem o recente estudo do IPEA, que aponta a existência de 72 mil brasileiros bilionários, cuja riqueza é intocada pelo Leão?

Enquanto o cidadão brasileiro come o pão que o Levy amassou para pagar suas contas, a mídia brasileira ignora o Brasil e prefere mostrar aos simples mortais as receitas do “mercado”. O remédio é sempre amargo, mas num dia que nunca chega atingiremos o Paraíso.

Essa turminha metida a besta, mais realista que o próprio rei, incorporou o ideário de seus patrões, também bilionários, e às vezes só se dá conta do triste papel que cumpre quando o passaralho sobrevoa as redações, mandando uma leva deles para a rua.

Uma conta macabra, mas muito útil, poderia ajudar a sociedade a exigir o fim das incursões policiais nas favelas e periferias. Essa conta deveria considerar o número de aulas e de horas que as crianças das escolas e creches dessas comunidades perdem por ano letivo, quando a polícia decide trocar tiros com a bandidagem.

A conta também deve incluir o número de professores e profissionais que pedem afastamento dessas escolas e creches, justamente pela falta de segurança e o risco a que estão expostos quando das operações policiais.

Outro fator a ser considerado são os gastos com as ações e os resultados obtidos, ou seja, uma espécie de custo/benefício dessas operações para o Estado. Para isso é preciso levantar os gastos com transporte de veículos e caveirões, com manutenção de pessoal e com o gasto em munição.

Também é preciso calcular os prejuízos causados a comerciantes, obrigados a fechar suas portas, e moradores que não conseguem sair ou entrar em suas residências em função das trocas de tiros.

O que já se sabe é que o resultado dessas incursões é totalmente inócuo do ponto de vista da segurança pública. A PM mata ou fere alguns traficantes varejistas – que logo são substituídos na cadeia do crime – e apreende uma quantidade de tóxicos, armas e munição, que também são rapidamente recuperados pela bandidagem. De vez em quando também sobra para os próprios policiais, alguns mortos e outros feridos, mesmo que em quantidade bem inferior às baixas que causam, a maioria deles fora de horário de serviço.

Mas o que nenhuma contabilidade pode quantificar é o número de inocentes mortos, feridos, famílias destroçadas e pessoas traumatizadas com as ações desastrosas da PM, diariamente nas favelas e periferias. Esses dados são mascarados por investigações que quase nunca chegam a uma conclusão, até porque não interessam a quem investiga.

Numa sociedade que já alcançou um grau de sofisticação tecnológica avançada no início do século XXI precisamos de uma polícia cada vez mais técnica, investigativa e cirúrgica em suas intervenções. Uma polícia civil, bem paga, bem treinada e com profissionais de nível superior. O que temos hoje na maioria das PM do país é tão somente uma jagunçada travestida de agente da lei.