Volta Lula?

29/04/2014

Já disse aqui que qualquer pesquisa de opinião sobre a eleição presidencial agora (abril/2014) reflete muito mais o conhecimento que as pessoas têm dos candidatos do que um prognóstico eleitoral. Mas o movimento Volta Lula já começa a dar sinais de vitalidade.

A carta de 20 dos 32 deputados do PR pelo retorno de Lula à Presidência é um indício de que esse movimento já ultrapassa as fileiras do PT. Os parlamentares e candidatos da chamada base aliada do governo fazem cálculos eleitorais e não querem perder seus mandatos numa disputa eleitoral acirrada com outros candidatos.

Enquanto Dilma ainda é uma aposta duvidosa de vitória num possível segundo turno nas eleições presidenciais de outubro, o nome de Lula daria muito mais certeza de emplacar mais quatro anos de mandatos para a fauna partidária da base aliada ao PT.

Basta saber se Lula segura essa pressão. Por enquanto ele nega veementemente essa possibilidade. Mas se a popularidade de Dilma e sua cotação eleitoral indicar queda significativa até junho, o Volta Lula será um movimento irreversível e suprapartidário.

 

Fazendo mídia com banana

A atitude de Daniel Alves, lateral brasileiro que atua no Barcelona, que pegou e comeu a banana arremessada em sua direção no jogo contra o Villa Real, foi quase instintiva. Valeu pelo inusitado, como se quisesse dizer “não to nem aí” para a atitude racista de um torcedor.

O que se seguiu depois foi um verdadeiro festival de babaquice, de gente famosa que nada fez ou faz contra o racismo no Brasil e resolveu fazer uma média, comendo banana e aparecendo na mídia. Não adianta comer banana um dia para se dizer solidário a Dani Alves, mas dar uma banana para a chacina da juventude negra das favelas e periferias, que acontece todos os dias. 

Aspectos preliminares

1) O eleitorado brasileiro

Sem levar em conta as pesquisas eleitorais mais recentes, que apontam até a possibilidade de reeleição de Dilma Roussef no primeiro turno, é preciso levar em conta aspectos fundamentais que definirão o voto do brasileiro em outubro de 2014.

O primeiro a considerar é que o eleitor brasileiro, em sua esmagadora maioria (mais de 50%), define seu voto em cima da hora da eleição. Geralmente esse setor é formado pelos segmentos mais populares, que sequer lêem jornais ou acompanham o noticiário e, portanto, votam apenas por formalidade ou obrigação.

De acordo com analistas políticos e de mercado uma faixa extremamente minoritária define seu voto por ideologia ou por fidelidade partidária (5% a 10%), os chamados formadores de opinião.

Outro segmento até acompanha o noticiário político, mas não discute e não se envolve no debate, a não ser quando há cenários de extrema polarização política, que obrigam as pessoas a se posicionarem, como foi o caso dos dias que precederam ao golpe de 1964, a campanha das Diretas Já e do Fora Collor.

 

2) De Lula a Dilma

Os fatores que levaram Lula e o PT a chegarem a Presidência, em 2002, evidentemente não são os mesmos de 2014. À época o país amargava o final desastroso de dois governos FHC, uma situação econômica internacional desfavorável, arrocho salarial, repressão ao consumo, altas taxas de juros, privatizações escandalosas.

A eleição de Lula coincidiu com um novo ciclo econômico internacional de crescimento, que durou até 2008/2009, quando acontece o estouro da bolha imobiliária nos EUA, com repercussão mundial até hoje. As medidas adotadas por Lula, em que pese o escândalo do mensalão e a Reforma da Previdência, foram no caminho de fortalecer o mercado interno e remediar os mais miseráveis.

O Programa Bolsa Família, o reajuste anual do salário mínimo em patamares acima da inflação, a valorização do Real e o crédito popular não só atingiram as camadas populares, mas também parcela da classe média baixa. O que Lula fez e deixou de fazer nos outros planos não vem ao caso. Foram essas medidas que deram a Lula a condição de eleger sua sucessora, à época um “poste”.

 

3) Desgastes

Ocorre que Dilma assumiu numa conjuntura mundial desfavorável, com crise econômica na Europa e nos EUA. Além disso, seu governo não conseguiu criar novos fatos marcantes no plano social, com políticas de grande impacto. O otimismo com os megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) deu lugar a um pessimismo quanto à roubalheira e os gastos elevados, que beneficiam empreiteiras, governantes e os organizadores, tudo patrocinado com dinheiro público.

Programas como o Minha Casa Minha Vida enfrentam denúncias de irregularidades de todo tipo – superfaturamento, má construção, projeto mal feito, falta de infraestrutura, má localização, material ruim – e dificuldades até para saírem do papel em alguns lugares, o que gera certa frustração em grande parte dos beneficiados. A sensação de impunidade e crescimento da corrupção descarada, atingindo aliados do Governo Dilma em diversos estados, também enfraquece a imagem da Presidente.

As manifestações que levaram grande parcela da juventude às ruas em todo o país em junho/julho de 2013, marcaram a explosão de insatisfação mais cabal dos últimos anos. Elas foram a demonstração de frustração da classe média com os serviços públicos ineficientes, com elevados impostos, preços absurdos e resultados vergonhosos, conduzidos propositalmente para reforçar a ideologia da privatização.

 

4) Análise de prós e contras

Vamos, então, passar aos aspectos favoráveis e desfavoráveis de cada um dos candidatos de maior expressão: Dilma, Aécio e Campos.

 

. Dilma Roussef

A favor: 1) O apoio do ex-presidente Lula, que é um excelente cabo eleitoral entre o eleitorado mais pobre e já provou que consegue transferir votos; 2) A aliança eleitoral que formou tem mais tempo de propaganda na TV/Rádio e maior capilaridade partidária, atingindo praticamente todos os municípios do país; 3) Com a maioria dos governadores em sua aliança pesa a máquina governamental, com obras e inaugurações, em ano de eleição.

Contra: 1) Situação econômica pouco animadora, estagnada; 2) Endividamento maior das famílias e inflação em alta; 3) Nenhuma novidade empolgante no plano social; 4) Escândalos do governo, do PT e sua base aliada todos os dias na mídia; 5) Desgaste do qualquer governo em final de mandato; 6) Dependência de aliados que são mal avaliados nos estados (base aliada); 7) Desgaste com a classe média e descrédito entre os setores mais politizados; 8) Pouca eloqüência em público e para debates.

 

. Aécio Neves

A favor: 1) É um político bem articulado para o corpo a corpo e para debates; 2) É jovial e simpático.

Contra: 1) Seu vínculo com FHC é um fator negativo junto ao eleitorado; 2) Governadores aliados mal avaliados em seus estados (MG e SP); 3) Pouca condição de criticar a política econômica adotada pelos governos do PT, visto que ela é herdada dos governos FHC; 4) Escândalos envolvendo o PSDB em Minas e S. Paulo são telhados de vidro para criticar corrupção no governo Dilma e o PT.

 

. Eduardo Campos

A favor: 1) O apoio de Marina Silva, bem vista pela juventude e a classe média mais politizada; 2) Governo estadual de Pernambuco bem avaliado; 3) Sem vínculos com governantes desgastados; 4) Discursa pela sustentabilidade sem rompimento das conquistas sociais; 5) Bem articulado para os debates e a campanha de rua.

Contra: 1) Pouco tempo de propaganda na TV e no Rádio; 2) É o candidato menos conhecido; 3) Sua base de sustentação política tem pouca capilaridade nos estados e municípios.

 

5) Conclusões

Esta breve exposição de fatores a favor e contrários que envolvem as três principais candidaturas nos levam a crer que:

a)      Crescerão ainda mais a abstenção, os votos nulos e em branco, já que nenhum dos candidatos com mais chances apresentarão qualquer novidade;

b)      A possibilidade de uma vitória de Dilma no primeiro turno é pequena, visto que seu governo está desgastado, seus aliados (PMDB) nos estados estão muito mal avaliados e sua figura não tem apelo popular;

c)      O alvo de Aécio e Campos será o atual governo e o PT deverá usar o próprio Lula para enfrentá-los nas polêmicas de campanha, tentando preservar Dilma do bate-boca;

d)      Aécio tem um enorme rabo preso com o ex-presidente FHC e com governadores muito mal avaliados (Alckmin em SP e Anastasia em Minas), assim como Dilma. Sua campanha terá que rebater e explicar as denúncias feitas pela campanha do PT;

e)      Campos estará mais a vontade para criticar Dilma e Aécio, apresentar propostas de governo, com a ajuda de Marina Silva. Isso lhe proporcionará uma campanha mais arejada, deixando as baixarias para Dilma e Aécio;

f)      Com uma possível indefinição no primeiro turno, muitos dos candidatos proporcionais tratarão de suas próprias campanhas, aguardando para saber para que lado o vento vai soprar, sem assumir compromissos com Dilma e Aécio;

g)      Pesquisas de opinião para Presidente neste momento (abril/2014) têm pouca representatividade e expressam muito mais o conhecimento que os eleitores têm dos candidatos do que intenção de voto;

h)      Não descarta-se a hipótese de um movimento do PT e partidos da base aliada do governo pelo retorno de Lula como candidato. Isso dependerá do desempenho de Dilma, tanto na popularidade de seu governo, quanto nas pesquisas eleitorais a partir de junho.

Veja e divulgue.

NOVO FADO ALEGRE

26/04/2014

Na voz de Carlos do Carmo, grande cantor português e entusiasta da Revolução dos Cravos, este Novo Fado Alegre exprime, com rara poesia e simplicidade, o sentimento dos que se viram livres a partir de 25 de abril de 1974.

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 Salgueiro Maia orienta civis e militares em frente ao Palácio do Governo (Lisboa/25 de abril de 1974)

 

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Militares cercam populares no Rio, no dia do golpe de 1964

Ironia do destino? Como saber? O fato é que abril é o mês que marca, ao mesmo tempo, o golpe militar no Brasil e a Revolução dos Cravos, em Portugal. O que as duas coisas têm a ver, a não ser pela coincidência do mês?

Ainda era um mundo envolto em Guerra Fria, dividido entre o bloco capitalista, liderado pelos EUA, e o bloco socialista, pela URSS. Por incrível que pareça, ainda restava na Europa desenvolvida regimes fascistas na Espanha e em Portugal.

O mais trágico de então, além da mediocridade do salazarismo, era a perpetuação das colônias d´além Mar, na África, de onde o governo fascista extraía riquezas para o sustento de um punhado de ricaços. O regime colonial português massacrava os povos de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, que se defendiam de armas na mão com suas respectivas guerrilhas.

No Brasil, já liberto de Portugal, se vivia um momento de efervescência política. Depois da tentativa de parte da cúpula doas Forças Armadas em impedir a posse de João Goulart e a imposição do parlamentarismo, Jango propõe as reformas de base, com as quais pretendia mudar a cara do país, democratizando o acesso à terra, moradia, à educação e promover justiça tributária.

Em 1 de abril de 1964, tropas do Exército brasileiro vindas de Juiz de Fora adentram com tanques a Avenida Rio Branco, coração do Rio de Janeiro. O povo, que aguardava com expectativa os acontecimentos na Cinelândia, foi surpreendido pela truculência dos soldados, num cartão de visita do que viria a ser a ditadura militar.

Em 25 de abril de 1974, tropas do Exército português, cansadas de servir de bucha de canhão para a aventura colonialista na África, adentraram Lisboa em carros de combate. Quando o povo percebeu que se tratava de um movimento disposto a por fim ao fascismo, saiu às ruas para apoiar os soldados. Em vez de tiros, bombas e cassetetes, os soldados retribuíram com cravos na lapela e na boca dos fuzis. Nenhum tiro foi disparado, nenhuma gota de sangue derramada.

Aqui enfrentamos 21 anos de ditadura, que custaram o desmonte do ensino público, o aumento da dívida pública, a censura, tortura, assassinatos, a repressão desmedida perpetrada pelo aparato policial-militar até hoje, concentração de renda e de terra nas mãos de poucos. Lá o Movimento das Forças Armadas trataram de promover a Reforma Agrária e Urbana e outras reformas, que reduziriam a concentração de riquezas, além de entregar o poder a civis, legitimamente eleitos pelo povo.

Cinquenta anos depois as viúvas do golpe militar e a cúpula das Forças Armadas brasileiras enaltecem os feitos do golpe, que, segundo seus autores, veio para interromper um projeto que redundaria numa República Sindicalista de esquerda. Suas comemorações são tímidas, em locais fechados, marcadas pelo rancor. Seus chefes são lembrados com nomes em praças, pontes e avenidas, mas o povo não os reconhece como seus líderes.

Quarenta anos depois os protagonistas da Revolução dos Cravos promovem comemorações públicas. Não aceitam participar de cerimônias fechadas, patrocinadas por governos comprometidos com o ideário neoliberal. Dizem abertamente que os ideais de Abril ainda não se realizaram, visto que ainda existem muitos problemas sociais e econômicos por resolver. Os capitães de Abril seguem como heróis nacionais em Portugal e até nas antigas colônias da África, que se libertaram logo após a Revolução dos Cravos.

Como se vê, mesmo no seio de instituições mais duras, movidas a disciplina, sempre existiu vida inteligente, gente digna, disposta a doar a vida para servir ao seu povo. Tanto mar não foi capaz de separar Otelo Saraiva, Salgueiro Maia e os demais capitães de abril de Portugal do nosso capitão Carlos Lamarca e outros milhares de militares cassados pela ditadura no Brasil.

 

O dançarino Douglas Rafael (DG) havia protagonizado o papel de um morador de favela espancado até a morte por PMs, num filme. Pelo jeito a ficção do cinema se tornou realidade, na madrugada de segunda para terça-feira (21 para 22 de abril). O caso ocorreu na comunidade do Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio. Revoltados, moradores desceram ao asfalto, queimaram veículos e atiraram pedras contra a UPP e a polícia militar.

A primeira versão da PM foi de que DG caiu de uma laje, ao tentar se proteger do tiroteio com traficantes. No entanto, entre seus pertences entregues na delegacia por um morador, além de documentos havia dois projéteis que estavam próximos ao corpo. A mãe do dançarino acusa a PM, reclamando que o fato ocorrera à uma da madrugada e a família só foi comunicada na parte da tarde. Ela estranha que o corpo tenha sido encontrado com diversas marcas de escoriações.

A versão oficial não se sustentou, apesar de difundida pelo porta-voz da PM, que também negou que o rapaz fora perseguido por policiais. O laudo pericial constatou uma perfuração provocada por tiro, que entrou pelas costas e saiu no ombro de Douglas. Agora, 48 horas depois do fato, as armas dos policiais serão periciadas.

Em S. Paulo, em outro caso que lembra uma trama cinematográfica, policiais dispararam contra um rapaz, gerente de uma loja da Zona Sul, que havia sido sequestrado e dirigia o carro de um assaltante, que também foi baleado. Em outros dois casos, na comunidade do Caramujo, em Niterói, dois moradores foram mortos, um alvejado por policiais em troca de tiros com traficantes, outro atropelado por um caveirão da PM.

É evidente que traficantes varejistas de drogas se utilizam dessas situações para tirar proveito para suas atividades. Mas isso é um fenômeno residual, menor diante das reações que vêm ocorrendo nos últimos meses. Até porque as afirmações da policia e dos governantes carecem de comprovações materiais.

A truculência do Estado no trato com as populações de favelas e periferias é um fenômeno recorrente nas grandes cidades brasileiras. O que varia é a intensidade das ações policiais, ao sabor das determinações dos governos, dispostos a responder à pressão da mídia e da classe média, apavorada pelo aumento da violência. Ou seja, por falta de uma atuação preventiva e investigativa contra a violência, o mesmo Estado atua com truculência desmedida, vitimando inocentes todos os dias.

O que deve ser destacado é a disposição dos moradores das comunidades de favelas em repudiar a violência policial, que vitima cerca de 500 pessoas por mês no Rio, de acordo com dados do ISP/RJ. O caso Amarildo, torturado e assassinado por policiais da UPP da Rocinha, é um marco nessa nova postura das comunidades.

A frase de autoria do goleiro do Flamengo, após uma decisão em que a arbitragem favoreceu seu time, é lapidar para definir o momento em que se encontra a sociedade brasileira. O sujeito reconhece que venceu de forma irregular, mas pouco se importa com isso e ainda zomba do adversário que foi prejudicado. Tão grave quanto essa é aquela máxima que volta e meia ouvimos Brasil afora: “O mundo é dos espertos”.

O mau exemplo vem de cima. A sociedade de classes funciona em forma de pirâmide, em cujo topo estão os governantes, os mais bem sucedidos, mais influentes, os que formam opinião e dão exemplo aos demais. E que exemplos a sociedade brasileira tem dos que estão lá em cima?

Roubar, corromper, malversar verbas, lavar dinheiro sujo e outros ilícitos já são práticas incorporadas ao exercício do poder no Brasil, com raras exceções. Isso em qualquer um dos três poderes constituídos. Ora, se o político lá em cima rouba, por que o executivo não pode roubar? E por que o gerente também não pode levar o seu por fora? E por que o fiscal não pode levar o dele? E por que o guardinha não pode garantir o lanche na blitz? E o zé povinho? Não pode tirar uma lasquinha? Isso também se aplica ao pobre ou marginalizado, que muitas vezes prefere delinqüir a ter que se sujeitar a viver de salário mínimo.

Matar, mandar matar, espancar ou seqüestrar: crimes hediondos e que atentam contra a humanidade são parte do cardápio de maldades que cercam a vida glamourosa das elites brasileiras, muitas vezes com requintes de crueldade. O fazendeiro que manda o jagunço matar o líder camponês; o político que manda calar a boca do ex-aliado que sabe demais; o empresário que não quer problemas com o concorrente; o bicheiro que manda um recado para o outro. Volta e meia aparecem crimes que envolvem disputas por grandes negócios.

Então por que o policial não pode matar o civil, de preferência negro e jovem das periferias e favelas? E por que o traficante não pode matar no “forno de microondas”? E por que o trabalhador não pode espancar a esposa? E por que a “cuidadora” não pode torturar idosos e crianças? E a esposa? Por que não pode espancar e até mutilar um filho? E o filho mais velho? Por que não pode maltratar os mais novos?

Quando os tribunais entram em ação muitas vezes deixam os poderosos na impunidade. Quando muito eles são condenados a adiar seus planos de roubar mais. Quando condenados, as penas são risíveis. E ainda tentam punir com rigor os delinqüentes mais pobres, meros ladrões de galinha amadores nessa cadeia de ladroagem profissional.

Pensando bem, não se pode exigir muito de um jogador de futebol. Ele foi acostumado a acreditar que o crime compensa mesmo, desde que seja a seu favor. No máximo aprende-se que “errar é humano” ou que o árbitro “erra para os dois lados”. Na certa não passa pela cabeça desta gente que o erro prejudica alguém e tem que ser punido severamente.

É trágico, na atual disputa político-eleitoral, constatar que parlamentares de oposição e situação se acusam, tomando como exemplo as atitudes condenáveis ou suspeitas do outro lado. Ou seja, você não pode falar nada de mim porque também agiu assim em tal ou qual situação.

O que comprova o quanto está corrompida a sociedade brasileira é aquela frase que se ouve toda vez que alguém comenta um escândalo: “Se você estivesse lá você não faria do mesmo jeito?” É triste constatar, mas as palavras de Felipe só causam espanto a uma parte da sociedade brasileira. O resto já se acostumou a encarar o ilícito como hábito cultural ou “malandragem” dos mais espertos. É como uma filosofia de vida…

As crises abertas na Petrobras e no IBGE, embora com motivações e situações distintas, têm a mesma origem. A indústria de petróleo lida com somas bilionárias e a Petrobras é um exemplo de empresa estatal com capacidade tecnológica, como demonstram a prospecção de petróleo em águas profundas e na área do pré-sal.

Tipos como Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, aboletados em cargos estratégicos, agem como raposas no galinheiro. Eles não aparecem ali por acaso, são indicados por parlamentares da base aliada, seus nomes negociados e referendados pelos governantes. Grande parte dos diretores da Petrobras foi indicada por Fernando Collor e Renan Calheiros.

Quando houve questionamento em relação às atividades de Cerveró no negócio da Refinaria de Pasadena (2008), em vez de ser defenestrado da estatal ele foi cantar de galo na BR Distribuidora, uma importante subsidiária da Petrobras. Já o senhor Paulo Roberto criou grave constrangimento ao governo e aos partidos de sua base, quando a Polícia Federal encontrou uma caderneta com nomes de empresas, valores de contratos e percentuais cobrados.

Cerveró e PR ficaram milionários nas transações em que meteram as mãos ou eram apenas operadores de recursos para as campanhas eleitorais de quem os indicou? Tão pouco se pode admitir que a Presidência da Petrobras seja ocupada pela esposa de um empresário do ramo, que tem cerca de 40 contratos com a estatal. Ainda que esta pessoa seja funcionária de carreira da Petrobras.

Os governos do PT não só fazem concessões aos seus aliados nos postos de comando da empresa, como seguem com a política de leilões das áreas de petróleo, que só favorecem ao “mercado”.

No caso do IBGE, o maior banco de dados da América Latina, uma reunião entre senadores da base do governo, a ministra do Planejamento e a Presidente do IBGE, levou a dirigente do órgão a suspender a divulgação da PNAD Contínua. Trata-se de uma pesquisa detalhada, porque não abrange apenas as seis maiores regiões metropolitanas, e sim a totalidade dos municípios do país.

A decisão tem nítido caráter político, ainda que a direção do BGE não reconheça. O governo esperava um resultado melhor da PNAD Contínua, mas ele não veio. Como o IBGE encontra-se em frangalhos em termos de pessoal – o que vem sendo sistematicamente alertado pelo Sindicato -, com demandas cada vez maiores, calhou do questionamento dos senadores servir como desculpa esfarrapada para a decisão de suspender a divulgação da pesquisa.

Vale ressaltar que o Conselho Diretor do IBGE é formado pelas mesmas pessoas há muitos anos.

Infelizmente inexiste no Brasil a cultura da democracia e da transparência nas empresas estatais e nos órgãos públicos. Aliás, o que é público no Brasil não é de ninguém, é alvo de leilões de cargos, contratos e verbas disputadas entre indicados dos governos de plantão. Estão ali não para servir ao público, que paga impostos e tem direito a serviços de qualidade, mas para dilapidar os cofres.

É óbvio que interessa à oposição (mais) conservadora e à mídia privatista jogar lama na Petrobras e no IBGE. Ao contrário de agir como fera acuada, rebatendo questões evidentes com argumentos infantis, cabe ao governo democratizar os órgãos públicos e as empresas estatais.

Petrobras e IBGE são órgãos de Estado, fundamentais para o passado, o presente e o futuro do país. Não podem ser dirigidos ao sabor dos interesses de governos e partidos de plantão. A saída é democratizar suas estruturas carcomidas, heranças da velha e maldita ditadura militar, garantindo transparência, autonomia técnica e política para suas atividades.

Isso é pacificação?

Isso é pacificação?

Ao contrário do que se vendeu a muitas gerações, a História do Brasil forjou uma cultura autoritária e violenta bastante arraigada, cujas consequências estão vivas até hoje. Talvez porque a invasão e a colonização tenham sido frutos do autoritarismo do colonizador, ávido por escravizar os nativos e extrair riquezas de maneira predatória.
Na falta de mão de obra disponível e suficiente para suas empreitadas, o Império Português importou escravos negros da África, que foram parar em diversos cantos da nossa América. As primeiras tentativas de estabelecer comunidades livres foram atacadas e dizimadas pelas tropas do Império. Os casos mais conhecidos foram o das missões jesuíticas e o de Palmares.

Mas não parou por aí. Em nome da unidade do jovem Império, já independente de Portugal, várias foram as missões militares enviadas Brasil afora para esmagar levantes e rebeliões. A Cabanagem (Pará), Praieira (Pernambuco), Balaiada (Maranhão), Revolta dos Malês (Bahia) e tantos outros episódios marcaram o período da Regência, até que Dom Pedro II pudesse ocupar o trono.

A Guerra do Paraguai, ocorrida no século XXVIII, é conhecido como o maior conflito das Américas. Nele, mais de 80 por cento da população masculina do Paraguai foi dizimada, a ponto de terem aceito durante um período a poligamia como solução para repovoar o país. As Forças Armadas brasileiras tiveram papel chave no massacre dos paraguaios, entre eles o episódio da Batalha da Acosta Añu, na qual milhares de crianças paraguaias foram mortas.

Os nossos “voluntários da pátria” na verdade eram negros escravos levados no laço para servir nas fileiras do exército na Guerra do Paraguai, com a promessa de terem liberdade e moradia ao retornarem . Estão aí até hoje as favelas para provar que nada daquilo foi cumprido.
A crise do Império levou o país à derrubada de Pedro II. Ao contrário de ter sido produto de um movimento popular, a proclamação da República foi uma quartelada protagonizada pela cúpula das Forças Armadas.

A consequência da quartelada de 1889 não foi um regime democrático e independente, alicerçado em instituições democráticas, mas governos dirigidos diretamente ou tutelados por militares. Desde então, as Forças Armadas brasileiras se arvoram ao papel de poder moderador da nação, sempre pronto a intervir na vida política quando as tensões se acirram.

A intervenção militar/autoritária se fez presente novamente no século XX, como nos caso da crise política da Revolta das Chibatas e dos episódios de Canudos e do Contestado, no Sul do País. A base de apoio para este tipo de “solução militar” se concentra nas camadas médias urbanas mais atrasadas, que enxergam nas contradições sociais e mobilizações populares a “bagunça” e a incerteza.

Desde antes, no segundo governo de Getúlio Vargas, a cúpula das Forças Armadas demonstrava seu descontentamento com medidas como o 13° salário, as férias remuneradas, a carteira de trabalho e outras medidas que passaram a vigorar, com o que os historiadores conservadores chamam de “populismo”. O suicídio de Getúlio, em 1954, abortou o golpe militar, que já se gestava naquela época.

Como não existem instrumentos políticos e instituições confiáveis para assimilar conflitos, a classe média brasileira dá seu aval a intervenções militares. Foi assim em 1964, quando João Goulart apenas propunha reformas sociais e econômicas democratizantes para o país. Pouco importava se havia tortura, censura e assassinatos no regime militar, o que interessava era o “milagre econômico”, que originou a caderneta de poupança e facilitou a compra do fusquinha.

Até hoje, segunda década do século XXI, as Forças Armadas brasileiras se comportam como uma casta, apartada da vida pública. Tudo que envolve a vida castrense está cercado de segredos e receios. Os civis são vistos como cidadãos de segunda que precisam ser tutelados para que não cometam erros. Caso a sociedade civil venha a sair dos trilhos do que as FFAA consideram correto, elas estarão sempre de prontidão para colocar seu bloco na rua e acabar com a “anarquia”.

O próprio serviço militar obrigatório até hoje é forjado em hipocrisia. Os filhos da classe média só servem se quiserem, porque o serviço pesado nos quartéis fica a cargo dos filhos do povo pobre. Ali, submetidos a um regime de extrema penúria, os mais pobres aprendem a respeitar a autoridade na base do pau e do cacete. Tornam-se verdadeira mão de obra escrava, capinando, varrendo, limpando estábulos e até cuidando de questões familiares dos oficiais.

Em qualquer República com um pingo de democracia as Forças Armadas estão subordinadas aos poderes Executivo e Legislativo. A elas não é reservado qualquer papel na vida política. Sua única atribuição é defender as fronteiras e a integridade do território. Não existe Justiça Militar e, quando existe, suas decisões são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.

O que estamos assistindo nos últimos dias, com a intervenção militar na Maré e da PM na ocupação dos prédios da antiga Telerj, é mais um espetáculo do autoritarismo de governos que, ao não terem soluções democráticas para os problemas sociais, lançam mão das baionetas contra os mais pobres. O resultado é porrada, tiros e bombas, com mortos e feridos.

Agora institui-se um tal mandato coletivo de busca e detenção de pessoas em qualquer residência, o que dá ao Exército e à PM poder para entrar em qualquer barraco, sem apresentar um documento que justifique sua atuação. Isso justamente quando se lembra os 50 anos do golpe militar de 1964. Que pacificação se pode pretender com forças de combate nas ruas, armadas até os dentes, para lidar com uma população civil?

Como bom brasileiro sempre adorei uma pelada. Começa com a vontade de dois ou três em jogar bola. Bola? Pode ser até um saco plástico recheado de jornal ou até uma latinha de cerveja… Logo logo aparecem outros peladeiros para completar os times. Duas pedras para lá, duas pedras para cá num terreno baldio, numa praça ou no pátio do prédio e estão prontos os gols. Todo mundo brinca, todo mundo se diverte.

Nossos craques de ontem nasceram nesse tipo de ambiente, aonde o improviso e as más condições para a prática esportiva eram obstáculos a serem vencidos, como o goleiro e os zagueiros adversários. Nenhum deles tinha chuteira, a maioria jogava descalço, estourava os pés e as canelas, mas no dia seguinte estavam lá para encarar mais uma peladinha. Para eles, jogar em gramado, com bola de verdade e chuteira era fácil.

Pelé, Garrincha, Didi, Zico e companhia nasceram e cresceram na pobreza e desenvolveram seus talentos nas condições mais adversas. Por isso mesmo foram o que foram, numa época em que os talentos individuais tinham mais importância dentro das quatro linhas do que o coletivo.

Ocorre que o futebol mudou e mudou muito. O campo, que até há algum tempo atrás parecia grande, hoje fica pequeno para 22 jogadores e um árbitro. Todos têm que correr, todos têm que marcar, todos têm que jogar sem a bola e as linhas do ataque, meio-campo e defesa devem estar sempre próximas, formando um esquema compacto que se movimenta em sanfona para defender e atacar.

Dessa maneira, as qualidades individuais indiscutíveis de um Messi, um Cristiano Ronaldo, um Ronaldinho ou um Neymar deixam de ser o foco do jogo. Eles são a cereja do bolo, formado pelo esforço coletivo dos demais jogadores. Mesmo as seleções, que reúnem os melhores de cada país, jogam o Football Association, ou seja, o futebol coletivo em que todos são fundamentais e os mais talentosos dão um toque de brilho com seus gols, dribles e passes.

Os recentes vexames de clubes brasileiros (Flamengo, Botafogo, Atlético PR) na Taça Libertadores 2014 são provas cabais de que o nosso futebol estagnou. Nossos times perderam bisonhamente para clubes da Bolívia, Equador, Chile, México e de outras escolas que costumavam estar bem atrás de nós. E por que perdemos? Porque nossos jogadores são piores? Não, muito ao contrário. Continuamos fabricando grandes talentos individuais, com mercado certo na Europa e nos grandes clubes de lá.

Perdemos porque nossos times não treinam sem bola, não se movimentam em linhas próximas umas das outras, porque nossos jogadores cercam, mas não marcam os adversários, e não acertam passes porque querem dominar a bola para depois tocar ao companheiro. No Brasil o treino de um time de futebol é o famoso “rachão”, aquela pelada de titulares e reservas, uma espécie de casados e solteiros. O treino não serve para afinar as táticas de jogo, para aprimorar os fundamentos do passe, do chute, do cruzamento, da cabeçada, da falta, do escanteio. Os treinadores são verdadeiros animadores de grupo, mas pouco se dedicam a observar e melhorar seu trabalho.

Enquanto na Europa alguns treinadores procuraram estudar o futebol nas últimas décadas e encontrar formas de aprimorar o esporte, aqui continuamos jogando pelada, admirando talentos individuais, a tal ponto que um sujeito obeso foi escolhido o grande destaque do campeonato brasileiro de 2013.

Pode até ser que nossa seleção vença a Copa do Mundo, até porque joga em casa e ainda tem bons jogadores. Mas camisa e tradição não ganham nada, apenas respeito. O que ajuda neste caso é que a maioria dos convocados joga lá fora e está acostumada a enfrentar marcação cerrada, pressão, pouco espaço e tempo para dominar a bola e fazer as jogadas.

O futebol praticado nos campeonatos disputados no Brasil é pobre e decadente. Os jogos são piores que as nossas peladas de rua, porque pelo menos as peladas não são pretensiosas. São raros os momentos de um futebol bem jogado. É este fator que está afastando o torcedor dos estádios, junto com os altos preços dos ingressos, as máfias de empresários e dirigentes, os horários absurdos dos jogos – determinados pela grade da TV – e a violência de gangues travestidas de torcidas organizadas. Um conjunto de fatores que está conspirando para empobrecer o espetáculo.