Tão surpreendente quanto complicado é para um brasileiro entender a Catalunha. Massacrados pelo colonizador português fomos obrigados a esquecer nossas origens e a falar uma só língua. Menos mal, dirão, assim todos nos entendemos. Em termos, porque a língua é a identidade maior de um povo. Se falamos apenas a língua do colonizador é porque sucumbimos ao seu modo de viver e pensar. É bem verdade que o nosso Português é uma mistura, mas prevaleceu como estrutura da língua que falamos no Brasil.

Na Catalunha e em toda a Península Ibérica a coisa é diferente. São muitos séculos de existência, quase dois mil anos de povoados que foram se amontoando, a partir das guerras e invasões que se sucederam. Os próprios portugueses se integraram como nação a partir de diversas influências e períodos de dominação estrangeira.

Na Espanha, além do Espanhol, se fala outras quatro línguas: catalão, basco, galego e valenciano. Na Catalunha o que se ouve nas ruas, bares, cafés e nas casas é o catalão. As placas, sinalizações de rua, livros, jornais e revistas estão em catalão, com a tradução para o espanhol. A Guerra Civil espanhola deixou marcas profundas, entre elas a tentativa de sufocar a identidade regional das diversas culturas que formam a Espanha.

Daí que o povo catalão encontrou na preservação da sua língua instrumentos para rejeitar e resistir ao regime fascista, que perdurou por cinco séculos. O catalão é uma espécie de mistura de espanhol e francês, dá pra entender alguma coisa.

Mas isso só foi possível graças a uma larga cultura regional, que se expressa de forma magnífica, com seus grandes expoentes nas artes. Gaudi, Miró, Casals, alguns dos mais famosos.

Em Barcelona, uma cidade que começou como porto do Mar Mediterrâneo, ao contrário do que se possa imaginar, respira-se diversidade. São inúmeras as iniciativas e espaços culturais, que implicam em troca e assimilação de todo tipo de manifestação cultural.

Trata-se do maior mercado editorial em língua espanhola (500 milhões de pessoas) do mundo. Exposições, museus, palácios, a cidade respira cultura. A arquitetura é fantástica, rebuscada pelos prédios e construções modernistas do início do século XX. A Pedreira, o Palácio da Música e a Sagrada Família são apenas algumas das obras maravilhosas que Barcelona proporciona aos seus moradores e visitantes.

O orgulho catalão é uma expressão encontrada para exaltar a Catalunha e seu povo. Mas também pode ser um instrumento usado para preservar certos interesses de grupos econômicos regionais. O que importa é que Barcelona respira cultura e todo local em que isso acontece sempre estará aberto a assimilar, ouvir todas as culturas e a produzir coisa nova. Por isso Barcelona é uma cidade aberta, internacional.

Franceses e gregos vão às urnas no domingo, 7 de maio. São duas eleições determinantes para o panorama europeu, apesar de ocorrerem em países de importância tão diferente. A eleição francesa pode alterar o rumo da economia adotada nos últimos meses, com o pacto Merkozy, receituário criado para atender aos interesses do sistema financeiro.

Já o eleitor grego pode abrir uma fenda na política européia, se as pesquisas se confirmarem. Cansados da alternância café-com-leite entre conservadores (Nova Democracia) e sociais democratas (Pasok), que nada resolvem e adotam o arrocho do Banco Central, FMI e União Européia, os gregos podem pulverizar seu voto entre partidos de esquerda e de direita.

Se François Hollande confirmar o favoritismo nas urnas deve haver um ajuste na política econômica ortodoxa imposta por França e Alemanha à União Européia. Esta política consiste em cortar drasticamente os investimentos públicos, privatizar empresas, demitir servidores públicos, privatizar empresas estatais e cortar salários e aposentadorias em toda a Zona do Euro.

Não se deve esperar mudanças profundas caso Hollande vença, mas a construção de um novo acordo com a Alemanha em que sejam feitas concessões para estimular o crescimento econômico, o emprego e o consumo. O candidato social-democrata também fala em retirar as tropas francesas do Afeganistão até o final de 2012.

Toda a Europa está atenta a essas duas eleições. Na França está em jogo a continuidade ou não da política de arrocho salarial, desemprego e cortes de investimentos públicos. Se Sarkozy vencer a Europa deve amargar mais alguns anos desta política. Já se Hollande for o vencedor terá a oportunidade de alterar o rumo dessa prosa.

Na Grécia o que está em jogo é algo muito mais dramático. Seu governo foi arrancado de Atenas e passou a ser controlado diretamente por figuras ligadas ao capital financeiro, dono da dívida do país. A falência do pequeno e médio empresariado e as medidas adotadas pelo governo dos banqueiros resultou em elevadas taxas de desemprego e desesperança.

O leite já derramou e agora os gregos procuram uma saída fora dos partidos tradicionais, que apenas se alternaram no governo e nada fizeram para evitar o caos. A votação deve ser pulverizada entre cinco ou seis partidos, sendo eles dois da esquerda socialista, um da extrema direita, um da esquerda democrática, a Nova Democracia e o Pasok. Difícil imaginar uma composição de forças para formar um governo capaz de implementar as medidas que os gregos desejam. Boa parte do eleitorado já não aceita a continuidade do país sob as rédeas da União Européia.

A eleição grega pode ser um recado para o restante da Europa. Se conservadores e sociais-democratas insistirem em pagar a conta da dívida que provocaram para salvar os banqueiros entregando as conquistas sociais e econômicas de seus povos, a reação nas ruas e nas urnas pode ser de radicalização.

*De Barcelona

Polícia por toda a Praça da Catalunha, no Centro de Barcelona. Trânsito desviado e helicópteros no céu. Para qualquer desavisado poderia ser apenas a perseguição a um grupo de ladrões que acabara de assaltar uma loja ou um banco. Não, trata-se do cerco de proteção aos presidentes dos bancos centrais da Europa, que infelizmente escolheram Barcelona para uma de suas reuniões e esgrimir seus argumentos conservadores patéticos.

Todos os dias existem manifestações de rua para lembrar aqueles senhores que as pessoas precisam de um mundo melhor e mais justo, e não de cortes nos serviços públicos, nos salários e nos empregos daqui e de lá.

Independente dos protestos a vida segue seu curso em Barcelona. O Metrô (público) tem horário estampado em letreiro que avisa a chegada da próxima composição, em 2 minutos e meio. É isso mesmo, em 2 minutos e meio. Por isso, nunca está lotado, nem no horário do rush. Qualquer um pode adquirir um bilhete com desconto para dez passagens numa máquina e, se o Metrô não o levar ao destino final, o passageiro ainda tem o direito a uma integração com micro-ônibus até o seu bairro.

Nos pontos dos ônibus existe horário e o roteiro das linhas afixados para quem quiser ver. Eles pertencem à municipalidade e chegam e saem na hora informada. Também existe um serviço de trens urbanos funcional, tudo integrado de maneira a trazer e levar quem precisa ao trabalho e às escolas.

O lixo seletivo se impõe em todas as ruas e bairros da cidade, sempre com três enormes caçambas, uma ao lado da outra. A prefeitura se faz presente, entre outras coisas com o serviço de limpeza que recolhe o lixo em todo canto sempre. Os jornais da região têm duas edições: em espanhol e em catalão.

O serviço de bicing, as bicicletas alugadas em qualquer ponto da cidade, se faz sentir em toda a cidade. Motos, muitas motos e lambretas modernas. Tantas que as ruas têm grandes espaços reservados para que os motoqueiros e lambreteiros estacionem seus veículos. Elas convivem com ônibus de todos os tipos e tamanhos, todos usando gás fenol como combustível.

Só tive notícia de um shopping, que fica no bairro das mansões. O comércio é formado de algumas grandes lojas de departamentos e, sobretudo, pelas lojas de rua. Os espaços urbanos públicos não são aviltados pela ganância do poder econômico. Tudo segue um planejamento, uma certa harmonia entre arquitetura arrojada e respeito ao cidadão. Não surpreende que em todas as calçadas e cruzamentos existam rampas amplas para os cadeirantes. Os catalães cuidam bem das calçadas e postes de Barcelona.

Aqui se pode dizer que a cidade herdou algum legado útil das Olimpíadas. É evidente que eram outros tempos e outra cultura. Se houve roubo e desvio de verbas não duvido, mas o princípio não era o de construir obras faraônicas e irracionais para beneficiar empreiteiras e seus representantes no Executivo e no Legislativo.

A Espanha é a quarta economia da Europa e metade de sua juventude está sem emprego e sem perspectiva de futuro. A crise ainda não abalou Barcelona em cheio, mas chegará. No entanto, o povo daqui saiu da miséria de 50 anos de franquismo – na época chegaram a existir aglomerados urbanos semelhantes a favelas brasileiras – para uns 30 anos de prosperidade e, certamente, não vai querer abrir mão da sua qualidade de vida.

Pode ser apenas uma primeira impressão, mas depois dos 50 não costumamos nos permitir errar tanto em nossas avaliações. Barcelona é fantástica! Mil anos antes de Cristo já havia gente em suas terras e seu porto. Com o passar do tempo, povoados foram se formando ao redor e mais recentemente deram origem à Grande Barcelona.

Durante os 50 anos de franquismo toda a Catalunha e seu nacionalismo foram discriminados pelos fascistas. Com o fim da ditadura, no final dos anos 70, uma nova Espanha se ergueu e Barcelona floriu, com sua arquitetura arrojada, suas ruas e avenidas arborizadas, seus prédios desconcertantes. Pelo jeito, apesar dos pesares, as Olimpíadas fizeram muito bem à cidade.

A Catalunha do grande maestro Pablo Casals, do pintor e escultor Juan Miró e do inconfundível e surpreendente arquiteto Galdi é um show de cultura. Por onde se passa em Barcelona se sente a presença de um espírito diferente, que alimenta o orgulho catalão. Em muitos prédios a bandeira amarela e vermelha está pendurada nas sacadas de apartamentos.

Museus, palácios, parques, bibliotecas, igrejas ou simples edifícios são obras de arte antigas ou modernas, trabalhadas em detalhes, convivendo em harmonia e sempre bem conservadas. É claro que por aqui também se contraiu uma das mais velhas doenças do ser humano, a corrupção, mas ela parece menor diante da grandeza de um povo que conserva seu idioma e sua forma particular de encarar o mundo.

Na Rambla, rua de pedestres que liga o Centro à praia (lembra vagamente a nossa Rua Uruguaiana), há barracas de tudo, inclusive para a exposição de telas e trabalhos de pintores e retratistas. As lojas vendem souvenirs e às vezes se sente o aroma de essência de baunilha que vem das confeitarias e padarias, com seus doces gostosos e muito bem apresentados. Cafés, sorveterias, bares, restaurantes, tudo pequeno e aconchegante. O mercado municipal vende frutas já descascadas e cortadas para consumo na hora, além de carnes e pescado de todo o tipo. Gente do mundo inteiro vem conhecer Barcelona.

Talvez possa se dizer que Barcelona está para a Espanha como o Rio está para o Brasil. Poderíamos muito bem viver sem o Brasil, mas o Brasil não poderia existir sem o Rio. O que me alivia é o reconhecimento de nossa cidade por cidadãos da própria Barcelona, dizendo que não existe coisa igual no mundo. Pena que ela esteja tão mal tratada pelos piratas da modernidade. Ao menos ainda nos restam as suas belezas naturais.

12:15h pelo horário local, pousamos em Schiphol, o aeroporto de Amsterdã. Da janela do avião que se preparava para descer pude entender o que se chama de Países Baixos. O Porto de Roterdã e a própria capital são entrecortados por ruas e canais, construídos artificialmente abaixo do nível do mar, para domar a força do Mar do Norte. Como se pode erguer um país tão pequeno e tão ousado¿ Durante séculos suas embarcações cruzaram os oceanos do Planeta, disputando espaço com as maiores potências de então.

Acerto os ponteiros do relógio do celular para mais 5 horas. É apenas uma escala para Barcelona, mas só pela porta de entrada já se pode ter uma pequena idéia da organização e limpeza da cidade. O aeroporto é um brinco, tudo limpo, gente limpando tudo a todo momento. Tem biblioteca com as principais obras dos escritores holandeses, uma extensão do Rijksmuseum com algumas telas de pintores antigos, espaço para crianças com som de mata, carrinho para transportar os idosos e deficientes, caixinhas para depósito de dinheiro (cheias) para ajudar crianças de países mais pobres, lojas, muitas lojas.

Comprei uns souvenirs para trocar dinheiro e levar de lembrança para amigos e parentes. Parece que só existe um clube de futebol: Ajax, fundado em 1900 e grande campeão nacional, em vias de conquistar mais um título. Num espaço reservado ao descanso encontrei uma grande mesa e diversos sofás. A TV mostra o noticiário da CNN (o destaque é que os EUA já gastaram U$ 372 bilhões na guerra do Afeganistão). Estão mais preocupados com os gastos de guerra do que propriamente com os resultados e consequências dela. É o mercado.

Os holandeses falam fluentemente dois idiomas: holandês (uma espécie de alemão piorado, carregado) e o inglês, justamente porque seu idioma é incompreensível. Qualquer cidadão no aeroporto fala inglês, donde se conclui que todo mundo fala ou entende essa espécie de segunda lingua. Aqui as piratas tupiniquins, Gol e TAM, não têm nem stand. Isso num aeroporto que tem vôos para os quatro cantos do mundo. Bons tempos aqueles da Varig…

Com meu inglês limitado não me atrevi a perguntar a nenhum holandês sobre política local, a renúncia do primeiro-ministro de direita e a formação de um novo gabinete de esquerda. Aparentemente o governo conservador tentou aplicar o modelito FMI e se deu mal. A decepção e o repúdio foram tamanhos que não conseguiu maioria no parlamento e o governo caiu com dois meses de existência.

Ah! Só para registrar: tudo bem que era um vôo internacional, de cerca de 11 horas de duração, mas o serviço de bordo da KLM é impecável, inclusive nos detalhes. A lamentar somente a distância entre as poltronas na classe econômica, fenômeno que se generalizou com a gula das companhias aéreas nas últimas décadas. Mais uma vez é a força do mercado…

Dezoito e trinta e três do dia 1 de maio. Aguardo no saguão do Aeroporto Tom Jobim o horário de embarque para Amsterdã. Quem dera ficar por lá uns dias, mas é só a conexão para chegar a Barcelona. Será que os espanhóis vão me deixar entrar? Achei até a interrogação do teclado…

Será uma viagem a passeio, conhecer rapidamente algumas cidades européias e também de informação. Espero conseguir repassar o que ver por lá aos leitores do meu blog e aos ouvintes do Programa Boca Livre. Talvez este seja o presente deles pela fidelidade aos 16 anos do Programa.

Seria bom conhecer um pouco os sistemas de transportes, educacional e de saúde da Espanha, Portugal, Inglaterra e França. Pelo menos até que os cardeais da troika (União Européia, FMI e Banco Central Europeu) deixem o que é básico funcionar.

O resto pode ser festa. A beleza arquitetônica de Barcelona, o bacalhau e o fado de Lisboa, um pub londrino, o vinho e as belezas da Cidade-luz. Será verdade que os franceses não são mesmo muito chegados em banho? Talvez quando chegar a Paris já exista um novo governo em formação. Como serão os jornais, a TV, as rádios européias?

Vamos conferir…