Só com mais democracia é possível encontrar uma saída para a crise

01/04/2016

Mais por desencargo de consciência do que por convicção fiz um esforço para comparecer às manifestações promovidas por forças de esquerda contra o impeachment. Na primeira, em 18 de março, mais a contragosto, porque era claramente uma manifestação que passava a mensagem de defesa do governo Dilma. Na segunda, em 31 de março, um pouco mais aliviado, porque prevaleceu a preocupação antigolpista.

Ainda assim, confesso que me senti profundamente deslocado daquela galera da antiga esquerda, que ainda pretende, de forma hipócrita, identificar o PT e seus governos com a defesa da democracia. Não, o PT há muito rasgou até mesmo a tal “ética na política”, slogan que carregou durante anos.

Seus governos, sobretudo os dois de Lula, em que pese terem o mérito de incrementar programas sociais, como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e o crédito popular para o consumo, não romperam a lógica desmoralizante de se sustentarem beneficiando os grandes grupos econômicos, notadamente as empreiteiras, os grandes bancos e o agronegócio.

Esta lógica perversa traz consigo o velho método de lotear o Estado entre esses grupos privados, tendo como consequência o toma lá dá cá e o mesmo modelo de poder que sempre imperou na vida política brasileira. É verdade que o PMDB e o PSDB estão aí a oferecer o pouco que restou da economia nacional ao capital internacional. Mas isso faz pouca diferença, de vez que nesta disputa quase ou nada sobra para a maioria do nosso povo.

Nesta guerra superficial entre grupos e projetos políticos das elites, o povo está apartado. Não por acaso a grande massa da população observa com indiferença as manifestações contra ou a favor do governo. No fundo sabem que o vale-tudo está instaurado nos bastidores, onde o que determina é a oferta de cargos e verbas públicas, prometidos aos deputados, num jogo do quem dá mais, para definir quem leva a parada.

Na verdade, seja qual for o lado vencedor, a crise econômica, social, política e moral vai continuar. Se Dilma permanecer estará ainda mais refém dos grupos fisiológicos que a cercam e deverá pactuar o resto de seu governo com eles e com o capital financeiro, que só quer saber de aprofundar as reformas antipopulares, como a da previdência e a trabalhista.

Se o vencedor for o grupo majoritário do PMDB, teremos a receita já apresentada do projeto “Um passo para o futuro”, que nada mais é do que uma série de medidas que também aprofundam a privatização do Estado.

Neste momento, enquanto manifestantes apaixonados estão nas ruas a defender cada qual o seu lado, acreditando que estão brigando por princípios e um país melhor, os líderes políticos do governo e da oposição conservadora estão participando de um verdadeiro leilão para a compra dos votos de deputados, que pode decidir os destinos de Dilma.

Há que existir outra saída para esta crise, que está levando a um conflito irracional e superficial nas ruas, porque nenhum dos lados em disputa oferece propostas concretas de superação dos problemas mais sentidos pelo nosso povo. Ambos tiveram tempo e mandatos suficientes para iniciar reformas estruturais na sociedade e não o fizeram. Os compromissos com o grande capital falaram mais alto.

É preciso rechaçar qualquer solução golpista, sem com isso defender apenas a continuidade deste governo nefasto e moribundo. Com certeza essa saída só pode se dar com o aprofundamento da democracia e não pelo saudosismo de uma minoria autoritária.

Certamente só a intervenção popular pode apontar novos caminhos. Talvez um plebiscito, uma consulta popular possa apontar uma nova rota. Mas o aprofundamento da democracia não pode se restringir a soluções formais, que mantenham o exercício da política restrita a mesma meia dúzia e seus projetos elitistas.

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